quinta-feira, 10 de junho de 2010

Frutas da felicidade


Naquela noite de viagem, praticamente sozinha no ônibus em direção a São Raimundo Nonato (SRN), sudeste do Piauí, não tinha noção do que me esperava. Aliás, nem vi a viagem, dormi tanto que acordei com o cobrador me chamando..certooo, eu agradeci, mas era hora, quer dizer 6h da manhã e eu precisava encontrar o hotel e tomar café, pois minha aventura de comunicadora popular estava apenas começando.
O destino era o Assentamento Fazenda Lagoa Novo Zabelê, uma área de 6 mil hectares, a 12 quilômetros da cidade de SRN, uma comunidade que nasceu em meio aos paredões da Parque Nacional Serra da Capivara, um parque arqueológico com uma riqueza de vestígios que se conservaram durante milênios, num cenário mágico e encantador.
Há 11 anos, as 251 famílias que foram transferidas da área do entorno do Parque para o assentamento, ainda não possuem terra registrada e, consequentemente, não podem criar animais e nem plantar em grande quantidade, pois não têm seus espaços demarcados. Até agora, elas esperam uma iniciativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para solucionar a questão.
Mesmo diante da dificuldade, os moradores não deixaram se abater e tentam recomeçar suas vidas no local. Diversas iniciativas de projetos desenvolvidos por ONGs como a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato vem transformando, desde 2004, a vida das famílias do Novo Zabelê.
Uma atividade de destaque no local é a iniciativa de um grupo de 07 mulheres que trabalham com o beneficiamento de frutas nativas como umbu, caju e maracujá do Mato, além de goiaba, fruta típica do assentamento.
Sete mulheres compõem a casa de beneficiamento de frutas. São elas: Lucimar (responsável pela comercialização), Maria Onélia (caixa de beneficiamento), Sandra (controle de estoque), Carmelita (controle de qualidade), Maria Luciene (controle de caixa), Ana Claudia (comercialização) e Aldenora (coordenadora).
Dona Maria Onélia lembrou que o projeto começou com a visita de técnicos - agentes da Cáritas Diocesana ao assentamento, informando sobre os diversos projetos para a área. Uma das mulheres, que já trabalhava com doce de caju, organizou um grupo de mulheres doceiras.
Como na área se planta caju, goiaba, e havia muitos umbuzeiros nativos e maracujá do Mato e muitas das árvores frutíferas estavam sendo devastadas pelos moradores do assentamento, as mulheres decidiram investir nessas frutas e assim, foram testando receitas, com o objetivo também de preservar a área dessas plantas nativas que estavam sendo degradadas.
Dona Carmelita disse que, com o tempo, o grupo foi reduzindo o número de integrantes e também se capacitando. Através de um curso de beneficiamento de frutas, começaram a trabalhar na produção.
Dona Onélia completou que, no início, cada uma trazia um produto necessário de casa, uma trazia açúcar, outra panela, outra colher e juntas compravam o gás de cozinha. Os doces eram produzidos em uma casa, bem simples, cedida por um morador do assentamento, mas depois de 2 anos, o grupo organizou uma casa para fabricação dos produtos. Das frutas, as mulheres produzem doce, licor, geléia, rapadura, cajuína (caju) através de um processo de beneficiamento que vem transformando a vida do grupo.
Ela afirmou que, a atividade mudou sua rotina, pois antes, ela vivia no percurso da roça para casa, passava mais tempo na roça do que na comunidade. Ela diz que pegava sol e chuva, numa rotina intensa de trabalho pesado. Enquanto hoje, a realidade é outra, ela trabalha sentada ou em pé, na sombra e conversando com as novas amigas.
Olhando o local onde as mulheres trabalham, observei a dedicação e o zelo pelo que fazem. O serviço vai além da produção, é uma forma de crescimento pessoal, uma maneira de sentir-se útil. Em meio a uma casa bem simples, mas que funciona conforme as normas de higiene, elas conversam sobre a vida, sobre os filhos e o marido, falam dos sonhos e da expectativa da construção de uma mini-indústria e a aquisição de um fogão ecológico.
Com a construção, as mulheres terão um local propício para o beneficiamento das frutas com casa de doce composta por tanque, balança, pia, mesas, fogão industrial, frízer, cestos, armários e geladeira e uma casa para produção de cajuína com prensa, sistema de filtragem, capsuladora, mesas, pia, geladeira e o fogão ecológico, uma grande novidade no assentamento.
A responsável pelo controle de estoque, Sandra, diz que, por dia durante a safra de caju, por exemplo, o grupo trabalha com 75 quilogramas da fruta, o que produz aproximadamente 15 vidros/dia de doce de 600 gramas e 25 quilogramas/dia de rapadura. A cajuína, as mulheres produziram apenas 78 garrafas por dia, durante o curso, mas pretendem continuar produzindo quando a mini-indústria estiver pronta.
Para dona Onélia, a atividade trouxe benefícios financeiros, pois aumentou a renda de sua família, mas também realização pessoal, pois sente muita felicidade em trabalhar com as frutas. Ela afirma que, depois do envolvimento no projeto, descobriu a utilidade do caju, pois só sabia aproveitar a fruta para fazer suco ou doce e se sente mais feliz, pois trabalha em equipe, com prazer e amizade.
Sua companheira, dona Carmelita revelou que sonha com a mini-indústria, com o crescimento da produção e o reconhecimento dos produtos, pois como ainda não possuem um código de barra, deixam de vender os produtos para os supermercados da cidade e até pessoas de outros estados interessadas.
Enquanto os projetos futuros ficam prontos, as sete mulheres das frutas do Assentamento Fazenda Lagoa Novo Zabelê vão dedicando seus dias em torno das frutas, com alegria, entusiasmo e muita vontade de produzir e alcançar o reconhecimento, principalmente das famílias da comunidade onde moram.
A beleza do local vai além dos paredões do Parque Serra da Capivara, está dentro do coração e dos olhos dessas mulheres guerreiras que buscam um novo ritmo de vida, que procuram contribuir para o crescimento da comunidade e delas mesmas num clima de amizade e companheirismo.

2 comentários:

  1. Já tô seguindo seu blog!!!!
    Beijos
    Thabada

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  2. Adorei a história conhecir o assentamento esse ano 06/2010 e pude relembrar cada momento q estive lá e a garra desse poovo frente as dificuldades....
    ADorei...há comprei um doce de umbu tbm...
    Parabéns

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