quarta-feira, 23 de junho de 2010

Dedicação pela criação de abelhas


Cheguei à residência da família Silva acidentalmente, pois iria acompanhar outra experiência produtiva, mas devido a problemas de mobilização, não consegui. Esse podia ter sido um motivo para discussão entre a equipe do projeto no qual eu atuava como comunicadora popular, mas ao conversar com um dos companheiros de viagem que me apresentou a história de seu Emanuel e sua família, tive a certeza de que eu deveria contar esta história.
Emanuel Silva foi um dos primeiros habitantes da comunidade piauiense Marrocas. Fundada há 80 anos, a comunidade está localizada no município de Itainópolis, a 355 km de Teresina, no sudeste do Piauí.
Marrocas é bem simples. Não tem energia elétrica e as seis famílias que moram no local consomem água de cisternas caseiras e se organizam através da Associação Mista de Pequenos produtores que conta com 17 associados.
Juntamente com mais duas famílias da comunidade, seu Emanuel desenvolve a apicultura desde 1998. A atividade surgiu através de um projeto desenvolvido na cooperativa com o apoio da Associação e por estímulo do Bispo da região na época, Dom Augusto.
Seu Emanuel explicou que a rotina de criação de abelhas consiste em cuidados constantes com os apiários. Ele e seus filhos cultivam 70 caixas de abelhas italianas. A produção é de 80 latas de mel, com 18 litros em cada lata, com uma safra que vai de dezembro a maio. E a florada na região é a da planta bamburral, mata rasteira e da gitirana.
O apicultor disse que o mel é vendido para os atravessadores pelo valor de R$ 75,00 a lata, mas esse preço é menor durante o mês de dezembro devido a pouca procura. Por isso, um dos sonhos de seu Emanuel é a construção de uma Cooperativa Apícola (Casa Apis), presente na região de Picos, com toda a estrutura necessária para o processamento e a fiscalização do produto e também um incentivo para o aumento da qualidade do mel.
A filha do apicultor, Aparecida, de 17 anos, ajuda o pai na atividade, principalmente na retirada dos favos de mel. Ela revelou que seu maior sonho é estudar e ir para a universidade, porém, ela admite que a realização do desejo dependerá das condições financeiras dos pais.
Nesse momento, eu me recordo que enchi os olhos de lágrimas, pois via no semblante daquela jovem um desejo de ganhar o mundo, de crescer na vida, não somente através da apicultura, mas quem sabe, através da agronomia e assim, contribuir para o crescimento da produção do pai e da comunidade. Aparecida não revelou a sua ambição profissional, acho que o tempo não permitiu, mas percebi que ela vai longe.
Continuando a nossa aventura pela mata, em busca do apiário, seu Emanuel reconheceu que a apicultura é mais rentável para a família dele do que a agricultura. Ele disse que uma lata de mel, por exemplo, é mais cara do que um saco de arroz ou de feijão e tem mais facilidade de venda, pois a comercialização é mais rápida, além disso, a produção de mel é orgânica, diferentemente dos produtos agrícolas. A família também cultiva batata, cebola, alho, tomate, pimentão, cheiro verde, coentro e alface nas vazantes dos rios e cria cabritos e calinha caipira para o consumo da família.
O medo de ser picada por abelha e a insegurança de adentrar a mata foram superados pelo sorriso acanhado de seu Emanuel e pela empolgação de Aparecida. Aquela tarde passou ligeira e eu me envolvi em mais uma aventura, em mais uma história para o Boletim O Candeeiro. Recordo-me que saí de Marrocas envolvida pela esperança em dias melhores através da produção familiar. Seu Emanuel e sua família me ensinaram que o homem precisa somente de uma oportunidade para crescer, produzir e conquistar seu espaço, criar seus filhos e ser feliz.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Frutas da felicidade


Naquela noite de viagem, praticamente sozinha no ônibus em direção a São Raimundo Nonato (SRN), sudeste do Piauí, não tinha noção do que me esperava. Aliás, nem vi a viagem, dormi tanto que acordei com o cobrador me chamando..certooo, eu agradeci, mas era hora, quer dizer 6h da manhã e eu precisava encontrar o hotel e tomar café, pois minha aventura de comunicadora popular estava apenas começando.
O destino era o Assentamento Fazenda Lagoa Novo Zabelê, uma área de 6 mil hectares, a 12 quilômetros da cidade de SRN, uma comunidade que nasceu em meio aos paredões da Parque Nacional Serra da Capivara, um parque arqueológico com uma riqueza de vestígios que se conservaram durante milênios, num cenário mágico e encantador.
Há 11 anos, as 251 famílias que foram transferidas da área do entorno do Parque para o assentamento, ainda não possuem terra registrada e, consequentemente, não podem criar animais e nem plantar em grande quantidade, pois não têm seus espaços demarcados. Até agora, elas esperam uma iniciativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para solucionar a questão.
Mesmo diante da dificuldade, os moradores não deixaram se abater e tentam recomeçar suas vidas no local. Diversas iniciativas de projetos desenvolvidos por ONGs como a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato vem transformando, desde 2004, a vida das famílias do Novo Zabelê.
Uma atividade de destaque no local é a iniciativa de um grupo de 07 mulheres que trabalham com o beneficiamento de frutas nativas como umbu, caju e maracujá do Mato, além de goiaba, fruta típica do assentamento.
Sete mulheres compõem a casa de beneficiamento de frutas. São elas: Lucimar (responsável pela comercialização), Maria Onélia (caixa de beneficiamento), Sandra (controle de estoque), Carmelita (controle de qualidade), Maria Luciene (controle de caixa), Ana Claudia (comercialização) e Aldenora (coordenadora).
Dona Maria Onélia lembrou que o projeto começou com a visita de técnicos - agentes da Cáritas Diocesana ao assentamento, informando sobre os diversos projetos para a área. Uma das mulheres, que já trabalhava com doce de caju, organizou um grupo de mulheres doceiras.
Como na área se planta caju, goiaba, e havia muitos umbuzeiros nativos e maracujá do Mato e muitas das árvores frutíferas estavam sendo devastadas pelos moradores do assentamento, as mulheres decidiram investir nessas frutas e assim, foram testando receitas, com o objetivo também de preservar a área dessas plantas nativas que estavam sendo degradadas.
Dona Carmelita disse que, com o tempo, o grupo foi reduzindo o número de integrantes e também se capacitando. Através de um curso de beneficiamento de frutas, começaram a trabalhar na produção.
Dona Onélia completou que, no início, cada uma trazia um produto necessário de casa, uma trazia açúcar, outra panela, outra colher e juntas compravam o gás de cozinha. Os doces eram produzidos em uma casa, bem simples, cedida por um morador do assentamento, mas depois de 2 anos, o grupo organizou uma casa para fabricação dos produtos. Das frutas, as mulheres produzem doce, licor, geléia, rapadura, cajuína (caju) através de um processo de beneficiamento que vem transformando a vida do grupo.
Ela afirmou que, a atividade mudou sua rotina, pois antes, ela vivia no percurso da roça para casa, passava mais tempo na roça do que na comunidade. Ela diz que pegava sol e chuva, numa rotina intensa de trabalho pesado. Enquanto hoje, a realidade é outra, ela trabalha sentada ou em pé, na sombra e conversando com as novas amigas.
Olhando o local onde as mulheres trabalham, observei a dedicação e o zelo pelo que fazem. O serviço vai além da produção, é uma forma de crescimento pessoal, uma maneira de sentir-se útil. Em meio a uma casa bem simples, mas que funciona conforme as normas de higiene, elas conversam sobre a vida, sobre os filhos e o marido, falam dos sonhos e da expectativa da construção de uma mini-indústria e a aquisição de um fogão ecológico.
Com a construção, as mulheres terão um local propício para o beneficiamento das frutas com casa de doce composta por tanque, balança, pia, mesas, fogão industrial, frízer, cestos, armários e geladeira e uma casa para produção de cajuína com prensa, sistema de filtragem, capsuladora, mesas, pia, geladeira e o fogão ecológico, uma grande novidade no assentamento.
A responsável pelo controle de estoque, Sandra, diz que, por dia durante a safra de caju, por exemplo, o grupo trabalha com 75 quilogramas da fruta, o que produz aproximadamente 15 vidros/dia de doce de 600 gramas e 25 quilogramas/dia de rapadura. A cajuína, as mulheres produziram apenas 78 garrafas por dia, durante o curso, mas pretendem continuar produzindo quando a mini-indústria estiver pronta.
Para dona Onélia, a atividade trouxe benefícios financeiros, pois aumentou a renda de sua família, mas também realização pessoal, pois sente muita felicidade em trabalhar com as frutas. Ela afirma que, depois do envolvimento no projeto, descobriu a utilidade do caju, pois só sabia aproveitar a fruta para fazer suco ou doce e se sente mais feliz, pois trabalha em equipe, com prazer e amizade.
Sua companheira, dona Carmelita revelou que sonha com a mini-indústria, com o crescimento da produção e o reconhecimento dos produtos, pois como ainda não possuem um código de barra, deixam de vender os produtos para os supermercados da cidade e até pessoas de outros estados interessadas.
Enquanto os projetos futuros ficam prontos, as sete mulheres das frutas do Assentamento Fazenda Lagoa Novo Zabelê vão dedicando seus dias em torno das frutas, com alegria, entusiasmo e muita vontade de produzir e alcançar o reconhecimento, principalmente das famílias da comunidade onde moram.
A beleza do local vai além dos paredões do Parque Serra da Capivara, está dentro do coração e dos olhos dessas mulheres guerreiras que buscam um novo ritmo de vida, que procuram contribuir para o crescimento da comunidade e delas mesmas num clima de amizade e companheirismo.