quinta-feira, 29 de abril de 2010

Família Rodrigues e a busca por melhores condições de vida


De tarde quero descansar, chegar ate a praia e ver...” era esse o meu pensamento quando fui convidada a conhecer a experiência da família Rodrigues. Era final de tarde, porém, no semiárido piauiense não existe praia e nem mesmo vento forte, mas eu nem imaginava que o cenário seria tão encantador. Diante de um riacho tranquilo e um lindo pôr-do-sol, o senhor Marcelo Rodrigues foi me mostrando a horta caseira de onde ele tira o sustento da família.

Ele mora com a esposa dona Severina e os quatro filhos na terra que herdou dos pais na comunidade Lagoa dos Bois, juntamente com 45 famílias, no município de Acauã, a 460 km de Teresina.

A rotina de Marcelo começa cedo. Quando o galo começa a cantar, o chefe da família levanta e vai preparar o café. Dona Severina acompanha o marido e prepara o tradicional cuscuz de milho. Após a refeição, Marcelo se despede da mulher e segue para a roça, enquanto os filhos ainda curtem o sono matinal.

A filha mais velha do casal Rodrigues, Mônica, de 15 anos, ajuda nas tarefas domésticas enquanto a mãe auxilia o pai na roça. Para ela, embora a vida no campo seja calma e sem muitos atrativos, percebe as facilidades dos tempos modernos com o surgimento da energia elétrica, o acesso aos estudos, aparelho de som e TV, este é o principal meio de comunicação da garota, que passa as tardes assistindo a filmes e telenovela mexicana, isso mesmo, ela adora as Marias exibidas pelo SBT, aliás, essa fase de Maria do bairro e não sei mais o quê, já passou, mas a menina ainda recorda com carinho os personagens interpretados pela atriz mexicana Ariadna Thalía Sodi Miranda.

Mônica revelou que diferentemente das meninas da sua idade, o sonho dela era ter água em casa e isso foi realizado através da construção de uma cisterna de placas, ou seja, recipiente com capacidade de armazenar grande quantidade de água para consumo humano. Na comunidade foram construídas 30 cisternas de 16 mil litros de água. Com água em casa, Mônica contou que o pai preparou a horta, que proporcionou o cultivo de tomate, cebola, coentro, beterraba, cenoura, pimentão e batata.

Além da horta, a família cuida do gado, cria ovelhas e galinhas para consumo e comercialização. E ainda iniciaram a criação de peixes, com 30 alevinos sendo cultivados em um barreiro próximo a residência da família.

Diante dessa realidade, Marcelo relembrou a vida sofrida que ele e os irmãos tiveram, pois o pai não tinha dinheiro para comprar roupa e brinquedos para eles. E hoje, diante da casa e dos filhos, ele se alegra em proporcionar uma vida mais confortável à família e revelou que o nome Rodrigues é sinônimo de melhoria de vida.

Passeando com Mônica e os irmãos dela pela terra da família, percebi a força de vontade de um povo. Gente simples, guerreira, com o olhar sincero e sorriso largo, que levam a vida sem muitas festas e comemorações. Marcelo, por exemplo, revelou que quando lembra a data de seu aniversário, o dia já passou. Imaginem? E assim, eles vão vivendo a vida, com base na união da família e no trabalho, acreditando em um futuro cada vez mais promissor.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Dona Irene: uma história de superação


O jeito franzino, a voz tranquila, sorriso discreto e uma fé que move montanhas. Essas características são marcantes quando se conhece dona Irene, moradora da comunidade Maxixe, localizada a 8 quilômetros do município piauiense de Itainópolis.
Há 15 anos convivendo com a diabetes, dona Irene é um exemplo de superação e amor pelo cultivo no campo. Sempre preocupada com a alimentação, com os remédios e o tempo de exposição ao sol, ela se desdobrava para cuidar da plantação e da saúde. Embora com todos os cuidados necessários, há 3 anos surgiram calos em um de seus pés, as lesões progrediram e, mesmo com o tratamento clínico adequado, foi preciso amputar o pé em outubro de 2008. Ela abriu seu coração e me revelou que esse momento foi o mais difícil de sua vida. O pé era um dos membros do corpo que mais lhe fazia feliz, mas era necessário superar todos os obstáculos e apegos e iniciar uma fase de adaptação.
O segredo para a superação foi a atividade de criação de galinha caipira, que ela tanto gostava, uma atividade exigente que requer muita dedicação. Ainda lembro do brilho nos olhos daquela senhora explicando o processo de criação das galinhas. Ela revelou que são 22 dias para a ave chocar o ovo. Geralmente, cada galinha produz 12 ovos que geram 12 pintinhos. As galinhas tem um tempo médio de vida de 1 ano e meio e depois desse período, elas são substituídas e renovadas por outras chocadeiras. Enquanto as mais velhas vão para o terreiro, as novas vão para o chiqueiro; sempre num rodízio.
Dona Irene recorda também, com muito entusiasmo, a chegada da luz na comunidade. Para ela, essa conquista representava uma nova fase para todos, pois dependiam de lamparina. Ela disse que era um sonho de muitos anos e resultado também de muitos abaixo-assinados elaborados e encaminhados para as autoridades locais. Dona Irene acredita que tudo vai melhorar com a instalação do sistema de energia elétrica, pois precisa tomar um remédio que deveria ser conservado na geladeira, além de poder consumir mais frutas e verduras e outros alimentos necessários para sua dieta.
Ainda recordo da nossa maravilhosa conversa. Passei a tarde naquela comunidade. Comi milho cozido, tirei cajá, acompanhei passo a passo a rotina de uma dona-de-casa especial. Um ritmo mais lento, mais dedicado, mais belo, porque por trás das muletas, da necessidade especial existe uma mulher encantadora. Uma lutadora que, mesmo não tendo filhos, encontrou no amor pela família, pelo marido e pelas galinhas, motivos para continuar viva e ser feliz.
(* texto extraído da minha experiência como Comunicadora Popular do Projeto P1+2 da Articulação do Semiárido Brasileiro - ASA Brasil)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A transformação que vem da aroeira


A chegada foi uma aventura, foram 520 km de viagem ao lado de um ex e eterno companheiro de trabalho de Picos. Estrada de chão, poeira e um calorzinho que só sentimos no Piauí. Ainda hoje me recordo da recepção tão calorosa de Dona Luzia. Ela, juntamente com sete companheiras da comunidade Tapuio, município de Queimada Nova, faz parte do grupo de mulheres quilombolas de produção de sabonete de aroeira que encontrou na atividade um meio para aumentar a renda da família, da comunidade e uma distração para a vida.
As mulheres tiveram contato com o produto através de um curso promovido pela prefeitura. Animado, o grupo decidiu fabricar e todas se envolveram na aventura. O Processo de produção é coletivo, são oito mulheres atuando na produção: Maria Tereza da Silva, Maria Dalva dos Santos Silva, Maria do Socorro Santos, Luzia Rosalina dos Santos, Maria de Lurdes dos Santos, Elsa Maria da Silva, Marilene Rosalina dos Santos e Marinei Maria dos Santos. E mesmo se o grupo não estiver completo, as tarefas são executadas pelas demais integrantes.
A Aroeira é uma planta natural, típica de Tapuio. As mulheres trabalham retirando a casca da planta, com o cuidado e respeito ao meio-ambiente. A base é raspada e dissolvida no líquido da aroeira que é misturado à base de coco babaçu. A mistura é levada ao fogo por 10 minutos. Após o ponto certo de preparo, o líquido é colocado nas fôrmas de borracha para esfriar e dar o ponto de sabonete.
O trabalho de produção é executado um dia na semana, sempre às quartas-feiras, com a produção de 25 sabonetes que são vendidos a R$ 2,00 reais cada unidade. Os produtos são vendidos na própria comunidade, em uma farmácia de Queimada Nova e nas viagens que o grupo participa através de encontros e feiras, pois elas dizem que tem casa que só consome sabonete de aroeira. Por mês, o grupo vende, em média, 200 sabonetes.
A rotina de venda é animada, as mulheres se orgulham em apresentar um produto fabricado por elas mesmas. Fiquei encantada em vê-las empolgadas. Luzia explicou que coloca os sabonetes na sacola e aonde chega, por exemplo, farmácia, oculista, banco, vai logo oferecendo e explicando os benefícios do produto e, assim, vende tudo.
Os benefícios do sabonete são variados. Porém, considero que o maior benefício é a melhoria de vida das famílias de Tapuio. As mulheres começam a reinvestir na própria comunidade, além de proporcionar ao grupo um novo estilo de vida, pois, com a atividade, elas estão quebrando barreiras e superando desafios, pois muitas famílias não queriam que as mulheres deixassem o trabalho da roça e de casa para ir trabalhar para os outros, mas Dalva reconhece que a atividade do sabonete trouxe grandes benefícios para sua alma, “eu considero esse trabalho como uma terapia, me sinto em paz comigo mesma, mais útil, e com mais qualidade de vida” afirmou.
Diante dessa experiência, percebo o quanto podemos ir além dos obstáculos da vida para realizar os nossos sonhos e lembro-me das preciosas palavras de Maria de Lurdes que revelou o segredo para o sucesso da atividade: “a coragem associada à determinação em produzir fará com que essa atividade cresça sempre mais”. Hoje, ela olha para vida que tem e sente uma grande alegria no relacionamento adquirido e no bem estar em produzir o sabonete.


(* texto produzido durante minha experiência como Comunicadora Popular do Projeto P1+2, na Cáritas Brasileira Regional do Piauí)